A lenda da Serra da Manoela
Publicado em 12 de outubro de 2013 por Neco Torquato Villela
Ao sairmos de Santa Rita pela estrada municipal rumo ao bairro
do Vintém, depois de dobrarmos o morro do mato do Sanico,
avistamos, ao fundo, um conjunto montanhoso conhecido como
Serra da Manoela.
Ela inicia-se logo após a Serra de Santa Rita, ou da Bela
Vista, como também é conhecida, empareda grande parte do bairro
do Vintém. É por ali, em um dos colos da Manoela que nasce o
ribeirão do Vintém e um de seus afluentes, o córrego do Vargedo.
Mais adiante, com um leve contorno à direita, a Serra abraça os
Fagundes e continua até o Balaio, onde finda resvalando na serra
que dá nome ao bairro. Há quem diga que as Serras do Balaio e da
Mamona são uma extensão da Manoela. Se assim for, a Manoela termina
nas vargens do Sapucaí, lá pelas bandas de Olegário Maciel.
A Manoela foi nossa primeira fronteira pelos idos de 1830,
estabelecendo seus espigões como marco divisório entre as terras
das Santas Catarina e Rita. E assim foi, aproveitando o resto da
cumeeira, Manoela afora, para marcar nossas divisas com outros
santos, como São Sebastião (da Pedra Branca), em 1848, e, mais
recentemente, com São José do Alegre e Careaçu que, apesar do nome,
já ocupou lugar mais alto no altar dentre os benevolentes acima:
Nossa Senhora da Conceição (da Volta Grande).
Manoela… belo nome para um conjunto de montanhas singulares que,
de fato, merece tal alcunha. Mas de onde vem tão singelo nome de
mulher para essas escarpas que cercam boa parte do nosso município?
Em conversa com moradores locais, coletei histórias e causos que me
inspiraram a compor a seguinte narrativa:
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Início do século XIX. O ouro que ainda resta em Minas Gerais é
escasso. Começa o segundo ciclo de colonização do Estado, quando
famílias de agricultores procuram terras para cultivo e tomam
posse das que encontram sem dono.
Na Vila da Campanha da Princesa, ponto de chegada e partida de
muitos agricultores em busca de terras devolutas, o português
José Francisco Machado, vulgo Juca Machado, toma conhecimento de
terras disponíveis lá pelas bandas do Sapucaí.
Mulas carregadas de bagagens e mantimentos, escravos puxavam os
carroções. Dentro de um deles, muito bem guardado, um tesouro de pele
morena, com olhos negros amendoados, herança de índios e caboclos que
corria nas veias de Manoela. A beleza rústica da mulher de Juca Machado
fazia contraponto com a singeleza e postura da mulher de fala mansa e
educada. A mistura de todos esses adjetivos fez com que o português não
dormisse por noites depois de colocar os olhos na donzela Manoela, em
sua passagem pela fazenda Pitangueiras, nas vizinhanças de Lavras do
Funil. Atormentado pela paixão e por noites mal dormidas, Juca voltou
no breu da noite a Pitangueiras e levou Manoela com ele.
Dois anos juntos, um casal de filhos, e a paixão de Juca se transformou
em ciúme da mulher. Ciúme que virou doença após o nascimento de Juquinha,
quando o português proibiu a esposa de sair de casa e de olhar para
qualquer homem. Um irmão de Juca, que veio de Portugal, ficou hospedado
em sua casa por dois meses sem ver a feição da cunhada. Manoela
trancafiada no quarto, só saía da clausura quando o cunhado não estava
em casa. A escravaria masculina sofria à revelia. Se Juca suspeitasse que
algum dos seus vislumbrara a sombra de Nhá Manoela, o “bacalhau”
corria-lhe o couro vinte vezes.
longe da “cobiça alheia”. E assim foram, levantando poeira de julho,
passando pelo povoado de Santa Catarina, tomando dali a estrada para o
Mandú, subindo e descendo a Bocaina. Mais adiante, no cume de uma serra,
onde um despropósito de vista deslumbrava qualquer um que se atrevesse
a olhar à frente, avistava-se o vale do Sapucaí.
Já parados por alguns minutos, admirando a mataria e a paisagem, Juca
deu ordem a Rufino, seu braço direito, escravo que virou feitor, para
vigiar o carroção de Nhá Manoela e o restante da comitiva. Adentrou,
em seguida, na mata fechada, facão em punho, acompanhado de dois
escravos.
Uma hora depois, escuta-se o farfalhar de folhas pisoteadas e resvalar
de facões nos galhos. Era Juca que, acompanhado de seus escravos, saía
da mata exausto. Encontrara, a uma légua mata adentro, uma clareira.
Decidira que lá montaria acampamento e ergueria sua fazenda.
Oito anos passados e mais sete filhos. Juca prosperou muito e, na mesma
proporção, o ciúme cresceu. O isolamento não lhe fez bem. Agora Juca
tinha ciúme até dos dengos de Manoela com os filhos, principalmente com
Juquinha, já com 11 anos. Colocou o filho para trabalhar com os escravos,
o que Manoela rebateu, mas a palavra do português era a derradeira. Por
fim, Juca proibiu a mãe de ver o filho durante a semana e justificou como
sendo “bom para o menino crescer como homem!”.
Naquele inverno inteiro o menino ficou na lida, acordava cedo e passava
frio, só faltava dormir na senzala. Abatido e acabrunhado com o trabalho
e com o modo que o pai lhe tratava, em uma manhã de agosto, Juquinha
embrenhou-se na mata e nunca mais foi visto. Manoela, por crueldade do
marido, só ficou sabendo do sumiço do filho dias depois.
quarto. Em prantos initerruptos, mirava dia e noite a janela voltada para
a mata, em busca de uma sombra do filho amado. Seu choro, fino e baixo
como uma miadela, podia ser ouvido a qualquer hora, nas imediações do
casarão.
Muitos anos ali, à janela, numa noite de lua cheia, Manoela em delírios
entrevê na mata o que crê ser Juquinha. Aproveita-se da ausência do
marido, em viagem a Vila Rica, sai de casa correndo e embrenha-se na
mata em busca do que pensa ser o filho.
No dia seguinte, Eva, mucama de Nhá Manoela, estranha ao não ouvir o
choro costumeiro da senhora. Corre então para o quarto da Sinhá e dá
por falta da patroa. Percorre, então, todos os cômodos do casarão e nada.
Corre em direção ao mangueirão e grita por Rufino:
– Rufino, Rufino, Nhá Manoela não tá em casa!
Rufino corre até o casarão e, logo, na entrada vê rastros que saem da
varanda em direção à mata:
– Nhá Manoela foi atrás de Juquinha! deduz convicto Rufino.
Eva desesperada pede a Rufino que chame os outros escravos para procurarem
Nhá Manoela antes que o pior aconteça. Rufino, com os olhos fixos na mata,
opõe-se:
– Se eu fizer isso, Nhô Juca manda matar todo mundo. Vou buscar Nhô em Vila
Rica agora!
Dia e meio a galope, e lá pelas bandas de Congonhas, Rufino encontrou Nhô
Juca voltando para casa. Com os olhos espantados Rufino narra ao patrão o
ocorrido. Juca, sem pestanejar, parte em disparada, rumo à suas terras e
Rufino o segue.
Mais dia e meio a galope. Ao chegar próximo à sede da fazenda, Juca avista
todos os seus escravos à frente do casarão. De um salto pula do cavalo,
aponta a mão espalmada em direção da escravaria e ordena:
– Ninguém entra na mata! Somente eu posso procurar Nhá Manoela! Não quero
ninguém atrás de mim! Ninguém! Gritou.
Juca Machado, com o coração em miséria, nem na hora do desespero sentiu o
ciúme abrandar. Aquilo o remoía por dentro, num misto de remorso e rancor
possessivo. Com essa fúria no peito, entrou cego na mata gritando:
“Manoela… Manoela… Manoela…”
Rufino, que chegara à fazenda logo atrás do patrão, tratou de dispersar os
escravos, ordenou que voltassem ao trabalho, afirmando que em breve Nhô
Juca retornaria com Nhá Manoela. De pronto foi obedecido.
Por alguns dias os escravos escutaram os berros de Juca ressoando na mata.
Cada vez mais fracos e roucos, os gritos foram se transformando em
murmúrios e sumindo… sumindo…
Dizem que nunca mais foram vistos. Nem Juca, nem Manoela, nem Juquinha.
Nunca mais! Porém, nos dias de hoje, vez ou outra, em noites de luar, os
moradores da serra, que foi batizada de Manoela, escutam vindos no meio
da mata um choro fino e baixo, seguidos do ecoar dos murmúrios roucos de
Juca Machado: “Manoela… Manoela…”
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